Mistérios da Páscoa
A Ceia dos Doze no concelho de Idanha
1 de Abril de 2010 às 11:20hO concelho de Idanha-a-Nova é inquestionavelmente rico pelas suas tradições quaresmais e pascais, que foram comuns em todo o interior de Portugal. Para a sua manutenção, contribuiu o isolamento a que fora votado, bem como a acção evangelizadora dos Templários, dos Conventos Franciscanos de Nossa Senhora da Consolação, em Monfortinho, e de Santo António, em Idanha-a-Nova, o empenhamento e esmero de uma mão cheia de guardiães que a todo custo procuram preservar manifestações da religiosidade popular em lugares ao ar livre, fora do espaço sagrado, as nove Irmandades das Santas Casas da Misericórdia em actividade e a benéfica acção dos Párocos, nomeadamente dos actuais, que tranquilamente sabem respeitar, valorizar e sublimar, à luz do Concílio Vaticano II, a religiosidade das suas gentes.
De entre as inúmeras manifestações da religiosidade popular que ainda ocorrem, na actualidade, é costume realizar-se, em noite de quinta-feira santa, a Ceia dos Doze em quatro Irmandades da Santa Casa da Misericórdia: Alcafozes, Proença-a-Velha, Salvaterra do Extremo e Segura. Tal ritual, ainda preservado, ocorre em memória da noite em que se aproximava a hora para ser entregue Jesus Cristo e celebrou com os discípulos a última Ceia, sobre a mesa-altar do Cenáculo, em cumprimento da ceia pascal hebraica e inauguração do rito eucarístico.
Acontece até que em Alcafozes perdura o costume, que era comum nas Irmandades das Santas Casas das Misericórdias, de realizar o peditório para a Ceia dos Doze. De manhãzinha, em dia de quinta-feira santa, a sineta da Igreja da Misericórdia anuncia que vai dar-se início ao citado peditório pelos Irmãos que se apresentam vestidos com a respectiva opa ou balandrau. Munidos de uma caldeira de cobre para recolher o azeite, de cestas de vime para colocar os ovos e de uma bolsa para os donativos em dinheiro, saem da dita Igreja, para percorrer todas as ruas da aldeia, levando, à frente, a Bandeira da Irmandade conduzida por um dos Irmãos, ladeada por duas lanternas também erguidas por outros dois Irmãos.
Em Segura, já lá vão uns trinta anos, quando o repasto era confeccionado e servido, na morada do Provedor, momentos antes da chegada dos Irmãos para a Ceia, após as cerimónias, presenciei a saída de todas as mulheres e crianças do mesmo sexo. No máximo de respeito e silêncio, cabia e ainda cabe ao Provedor servir a refeição aos Doze da Irmandade.
Para além da sopa e da sobremesa, o prato comum é o bacalhau, embora confeccionado de diferentes maneiras, excepto em Segura que é peixe frito do rio acompanhado de esparregado de ervas azedas, nomeadamente de folhas largas das de urtigas, de favas, de saramagos, de celgas, de labaças, de borragem, de leitugas, de nabos, de diabelhas.
Não será, em Segura, a tradição de se comer o esparregado de ervas azedas uma evocação do que Deus disse a Moisés e a Aarão no Egipto, ao instituir a Páscoa? Pois o Livro do Êxodo refere: “Nessa mesma noite, comer-se-á carne assada ao forno com pães sem fermento e ervas amargas.” (Êxodo, 12,8). As ervas amargas são comidas também em memória do que o povo israelita sofrera no Egipto. Não terá a ver tal usança com a presença da comprovada comunidade judaica em Segura?
Em Alcafozes, na Ceia dos Doze, participa também a jovem que, na Procissão do Enterro do Senhor, representará a Verónica. Esta, conforme a tradição oral, simboliza a padeira que acorreu a limpar o rosto de Jesus Cristo a caminho do Calvário. No final do repasto, a Verónica sobe para um banco e entoa, em latim, o respectivo canto, ao mesmo tempo que serenamente desenrola o pano com o rosto estampado de Cristo ensanguentado. Já, na véspera, após os Irmãos atapetarem o chão da capela-mor da Igreja da Misericórdia e alindarem os respectivos altares com alecrim e satisfazerem os demais preparativos para as cerimónias do dia seguinte, comem, na sacristia a “parva” em que participa também a Verónica e entoa o respectivo canto.
Não é só essencial para a nossa identidade nacional, regional e local a preservação e salvaguarda do nosso património material, mas também a do imaterial e oral. O respirar memórias e vivências transmitidas de geração em geração é caminho para a paz interior do ser humano.
A Ceia dos Doze no concelho de Idanha
1 de Abril de 2010 às 11:20hO concelho de Idanha-a-Nova é inquestionavelmente rico pelas suas tradições quaresmais e pascais, que foram comuns em todo o interior de Portugal. Para a sua manutenção, contribuiu o isolamento a que fora votado, bem como a acção evangelizadora dos Templários, dos Conventos Franciscanos de Nossa Senhora da Consolação, em Monfortinho, e de Santo António, em Idanha-a-Nova, o empenhamento e esmero de uma mão cheia de guardiães que a todo custo procuram preservar manifestações da religiosidade popular em lugares ao ar livre, fora do espaço sagrado, as nove Irmandades das Santas Casas da Misericórdia em actividade e a benéfica acção dos Párocos, nomeadamente dos actuais, que tranquilamente sabem respeitar, valorizar e sublimar, à luz do Concílio Vaticano II, a religiosidade das suas gentes.
De entre as inúmeras manifestações da religiosidade popular que ainda ocorrem, na actualidade, é costume realizar-se, em noite de quinta-feira santa, a Ceia dos Doze em quatro Irmandades da Santa Casa da Misericórdia: Alcafozes, Proença-a-Velha, Salvaterra do Extremo e Segura. Tal ritual, ainda preservado, ocorre em memória da noite em que se aproximava a hora para ser entregue Jesus Cristo e celebrou com os discípulos a última Ceia, sobre a mesa-altar do Cenáculo, em cumprimento da ceia pascal hebraica e inauguração do rito eucarístico.
Acontece até que em Alcafozes perdura o costume, que era comum nas Irmandades das Santas Casas das Misericórdias, de realizar o peditório para a Ceia dos Doze. De manhãzinha, em dia de quinta-feira santa, a sineta da Igreja da Misericórdia anuncia que vai dar-se início ao citado peditório pelos Irmãos que se apresentam vestidos com a respectiva opa ou balandrau. Munidos de uma caldeira de cobre para recolher o azeite, de cestas de vime para colocar os ovos e de uma bolsa para os donativos em dinheiro, saem da dita Igreja, para percorrer todas as ruas da aldeia, levando, à frente, a Bandeira da Irmandade conduzida por um dos Irmãos, ladeada por duas lanternas também erguidas por outros dois Irmãos.
Em Segura, já lá vão uns trinta anos, quando o repasto era confeccionado e servido, na morada do Provedor, momentos antes da chegada dos Irmãos para a Ceia, após as cerimónias, presenciei a saída de todas as mulheres e crianças do mesmo sexo. No máximo de respeito e silêncio, cabia e ainda cabe ao Provedor servir a refeição aos Doze da Irmandade.
Para além da sopa e da sobremesa, o prato comum é o bacalhau, embora confeccionado de diferentes maneiras, excepto em Segura que é peixe frito do rio acompanhado de esparregado de ervas azedas, nomeadamente de folhas largas das de urtigas, de favas, de saramagos, de celgas, de labaças, de borragem, de leitugas, de nabos, de diabelhas.
Não será, em Segura, a tradição de se comer o esparregado de ervas azedas uma evocação do que Deus disse a Moisés e a Aarão no Egipto, ao instituir a Páscoa? Pois o Livro do Êxodo refere: “Nessa mesma noite, comer-se-á carne assada ao forno com pães sem fermento e ervas amargas.” (Êxodo, 12,8). As ervas amargas são comidas também em memória do que o povo israelita sofrera no Egipto. Não terá a ver tal usança com a presença da comprovada comunidade judaica em Segura?
Em Alcafozes, na Ceia dos Doze, participa também a jovem que, na Procissão do Enterro do Senhor, representará a Verónica. Esta, conforme a tradição oral, simboliza a padeira que acorreu a limpar o rosto de Jesus Cristo a caminho do Calvário. No final do repasto, a Verónica sobe para um banco e entoa, em latim, o respectivo canto, ao mesmo tempo que serenamente desenrola o pano com o rosto estampado de Cristo ensanguentado. Já, na véspera, após os Irmãos atapetarem o chão da capela-mor da Igreja da Misericórdia e alindarem os respectivos altares com alecrim e satisfazerem os demais preparativos para as cerimónias do dia seguinte, comem, na sacristia a “parva” em que participa também a Verónica e entoa o respectivo canto.
Não é só essencial para a nossa identidade nacional, regional e local a preservação e salvaguarda do nosso património material, mas também a do imaterial e oral. O respirar memórias e vivências transmitidas de geração em geração é caminho para a paz interior do ser humano.
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