sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Santa Casa da Misericórdia do Entroncamento

Vai inaugurar os Cuidados Continuados, já tem aprovado o projecto para um terceiro lar e prepara ampliação do Hospital
O homem que revolucionou a Misericórdia do Entroncamento chama-se Manuel Fanha Vieira

Manuel Fanha Vieira assumiu o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Entroncamento em 2001. A Instituição vivia há anos uma situação difícil e estava crivada de dívidas. Em conjunto com um grupo de pessoas dinâmicas melhorou o Hospital de S. João Baptista e o Lar de Idosos Fernando Eiró, construiu um novo Lar, uma Unidade de Cuidados Continuados que entra em funcionamento em Setembro e já tem outras realizações preparadas. A ampliação do Serviço de Fisioterapia e a construção de um terceiro lar.

Como chegou a Provedor?

Vim para aqui em 2001. A Instituição vivia uma situação crítica. Estava em risco de fechar. Um grupo de pessoas foi a minha casa e pediu-me, como filho do Entroncamento, para fazer o que pudesse para evitar aquele fim. Eu tinha a minha vida, o meu escritório, o meu emprego. Disseram-me que era duas horas por dia. Nunca foram. oito e dez horas.

O que encontrou?

O maior património da Misericórdia eram dívidas. Não pagava a pessoal nem a fornecedores. Rodeei-me de um grupo de amigos que me ajudou a travar as batalhas necessárias.

As dificuldades já vinham da altura em que o Hospital foi devolvido à Misericórdia em 1987, após ter sido nacionalizado em 1975.

A nacionalização não teve qualquer sentido. O único resultado foi a sua crescente degradação. Quando o Estado o devolveu devia tê-lo entregue em condições de trabalhar. Nacionalizou um Hospital e devolveu um monte de problemas. Funcionários, doentes...o anterior Provedor da Misericórdia, Manuel Rosa Valério (já falecido) andou a entregar a chave do hospital a todos os membros do governo que vinham ao Entroncamento como forma de os alertar para a situação grave que o mesmo vivia. De nada lhe valeu.

Este é o único hospital privado do distrito de Santarém que resta dos que existiam na altura das privatizações. Como resistiu?

Com muito trabalho e sacrifício como é fácil perceber. O hospital precisava de obras. O lar Fernando Eiró também. A Misericórdia do Entroncamento tinha pouco património. Para conseguir crédito ou há capacidade financeira por trás, que dê força aos investimentos, ou a banca tem confiança nas pessoas que estão à frente das instituições. No início eu utilizava a minha assinatura em letras de financiamento. Eu devia ter avisado os meus filhos e nunca o fiz. A partir de certa altura a Caixa Geral de Depósitos começou a acreditar em nós e as coisas tornaram-se mais fáceis. Em 2005 a ampliação já foi feita com um empréstimo do BES, por 15 anos, com juros aceitáveis, que estamos a pagar.

Ampliaram o Hospital, fizeram obras no lar, construiram um novo lar e vão inaugurar uma Unidade de Cuidados Continuados.

Ampliámos o hospital para mais do dobro, criámos mais valências. Metemos mais pessoal e as coisas começaram a andar com outra segurança. Para bem dos doentes. Há uma grande lacuna na saúde apesar de haver três hospitais do Estado aqui nesta sub-região (Torres Novas, Tomar e Abrantes) Nós fazemos bastantes cirurgias. Somos dos hospitais que mais cirurgias faz. Temos a urgência. Consultas de especialidades, fisioterapia. Fazemos radiografias e outros exames. Mas ainda nos falta muita coisa. Em fisioterapia temos uma lista de espera enorme. Já ampliámos o horário mas não é suficiente.

Pelo que percebo não vai ficar por aqui.

Estes terrenos que estão aqui ao lado são baldios. Não se pode construir aqui porque estão praticamente pegados ao hospital. Tenho falado com o senhor presidente da Câmara para ver se conseguimos crescer para ali. Para aumentar o serviço de fisioterapia. Vamos ver se na revisão do PDM se a câmara nos ouve. Se aqueles terrenos vierem a ser considerados de utilidade pública nós não paramos. E já tenho um projecto para um novo lar aprovado pela Segurança Social e pela câmara. Basta o Estado dar uma ajuda e ele é construído. Temos uma lista de espera muito grande e custa-me ver as pessoas em sofrimento.

Quantas pessoas estão nos vossos dois lares?

São 54 no Lar Fernando Eiró Gomes e 60 no lar novo que tem o nome Lar da Misericórdia porque não tínhamos nenhuma valência com a designação Misericórdia. Em Centro de Dia temos 35 e prestamos apoio domiciliário a 55 pessoas.

O que o move?

Eu não tenho reforma. A minha reforma é o trabalho. Todos os dias me pedem coisas. Parece que fizemos muito mas o que fizemos não é suficiente. Há muita gente a sofrer que eu gostava de não ver sofrer. Todos devíamos ter direito à saúde. O Serviço Nacional de Saúde não é igual para todos. Pode ser alargado. As Misericórdias são parceiras favoritas do SNS. Devia haver mais acordos. Quero ajudar as pessoas com dignidade.

Ainda há quem desconfie dos serviços prestados pelo Hospital de S. João Baptista.

Não há razão para isso. Só por má fé. Após a remodelação de 2005 os nossos serviços melhoraram substancialmente. O nosso bloco operatório e o nosso serviço de esterilização foram remodelados e equipados com a mais recente tecnologia. Temos condições que são elogiadas por muitos cirurgiões que aqui operam. No âmbito dos acordos que temos com o Estado somos fiscalizados regularmente. Estamos a certificar serviços tanto a nível do hospital como ao nível do novo Lar de Idosos.

Uma Misericórdia tem uma gestão profissional?

Estou a tempo inteiro desde 2001. Tive que vender a minha quota na empresa porque os meus sócios, com razão, diziam que não estava lá e fazia falta. Uma das primeiras medidas foi organizar os serviços. Partilhar responsabilidades. Criar chefias. Havia aqui pessoas capazes e recorremos a elas. Temos a drª Vera que é coordenadora dos Serviços Continuados. Temos o Dr. Delgado que é Director Hospitalar. O Enfermeiro Franquelim é o enfermeiro chefe. Temos uma série de enfermeiras que são chefes de sectores. Os lares têm directoras.

Quantas pessoas trabalham para a Misericórdia?

Duzentas e tal pessoas. Trezentas e trinta se contarmos com os médicos que vêm de fora e outro pessoal que não faz parte dos quadros. Quem aqui trabalha sabe que o nosso trabalho é lidar com pessoas. Não é fazer sapatos.

Uma das queixas crónicas das Misericórdias diz respeito às tabelas de prestação de serviço.

Por cada consulta na urgência recebemos do Estado 3 euros. Fomos obrigados a pedir aos doentes um pagamento suplementar. Pagam 8 euros. O Estado não queria permitir isso mas foi obrigado. Foi o meu filho José Eduardo que levou isso por diante e ganhámos. Fez jurisprudência. A situação não é justa para os doentes mas a culpa é do Estado. Para nós dá 3 euros. Aos seus serviços, pela mesma coisa paga 18 euros. E é assim em todos os outros serviços protocolados. As tabelas são de 1997 e nunca foram revistas. Recebemos, em média, um quinto daquilo que o Estado paga aos seus serviços. O Estado não nos paga o que deve pagar.

Essa taxa suplementar é aplicada a outros serviços?

Não. Só às urgências. Cirurgias e Fisioterapia é igual aqui ou no Público. Os doentes que vêm enviados pelo Estado não pagam nada. As consultas de especialidade é que são pagas por inteiro porque não existe qualquer protocolo com o Estado.

Qual é a actual relação da Misericórdia do Entroncamento com a Igreja Católica?

Somos independentes. Não temos qualquer relação formal. Mantemos apenas um compromisso informal que implica que as pessoas que pertencem à Mesa sejam pessoas de bem e, de preferência católicas. Mas temos total autonomia. Em alturas solenes convidamos o senhor Bispo e há celebração de missas nos lares, por solicitação da maioria dos utentes mas não há qualquer participação directa da igreja católica na gestão.



“Sou filho do Entroncamento”

Manuel Fanha Vieira nasceu no Entroncamento a 20 de Junho de 1934. Os pais eram da Meia-Via mas residiam no Entroncamento. Na rua Elias Garcia. O Provedor da Misericórdia dá muita importância à data de nascimento. “A inauguração da ampliação do hospital de S. João Baptista foi feita no dia dos meus anos, em 2005. O Entroncamento foi elevado a cidade a 20 de Junho de 1991. Eu até pedi ao José Niza (deputado do PS eleito pelo círculo de Santarém) para ver se a votação calhava no meu aniversário porque eu tinha, enquanto presidente da câmara, lutado por isso”, diz com orgulho.

Era o mais novo de 5 irmãos todos entretanto falecidos. Durante alguns períodos de tempo viveu fora do Entroncamento por causa do trabalho do pai. “Cheguei a morar algum tempo em Aveiro. Iniciei lá a 1ª classe. Depois fui sujeito a uma cirurgia no hospital de Coimbra e atrasei-me um pouco nos estudos. Quando vim outra vez para o Entroncamento fui para a Escola do Bairro Camões - uma escola que tinha sido feita pela CP para os filhos dos seus trabalhadores.”

Profissionalmente trabalhou em contabilidade. Chegou a ter um gabinete com outros associados a quem vendeu a sua parte quando, em 2001 foi gerir a Misericórdia do Entroncamento a tempo inteiro. Na altura em que trabalhou em contabilidade também era agente de seguros. Foi presidente da câmara do Entroncamento entre 1982 e 1985 e vereador a tempo inteiro no mandato anterior, entre 1979 e 1982.

Em 1955 ensaiou um grupo de crianças que cantou na inauguração do Hospital da Misericórdia. Na altura não sonhava que iria ser Provedor da Instituição, 45 anos depois.


Unidade de Cuidados Continuados baptizada com o nome do Provedor

A Unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia do Entroncamento está concluída e deverá começar a receber doentes no início de Setembro. A inauguração ainda não tem data marcada.

O serviço terá 20 camas de convalescença no 1.º piso, 20 camas para média duração no 2.º piso e 30 camas para longa duração no 3.º piso. Por deliberação da Mesa da Misericórdia, ratificada pela Assembleia-Geral, será baptizada com o nome do actual Provedor, Manuel Fanha Vieira que encara a situação com algum humor. “Apanharam-me no hospital a fazer um cateterismo e decidiram. Se entendem que eu mereço não sou eu que irei recusar. Só tenho que me sentir honrado”.

A drª Vera Lúcia Araújo é a médica responsável pela Unidade de Cuidados Continuados que fica entre a Rua Amália Rodrigues e Rua José Régio, perto da estrada da Barroca, na freguesia N.ª S.ª de Fátima. O investimento total é de 4,3 milhões de euros, com o apoio financeiro de 750 mil euros da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Os restantes 3,5 milhões de euros provêem de um empréstimo bancário que será pago em 15 anos.



“Política nunca mais”

Foi presidente da câmara do Entroncamento entre 1982 e 1985. No mandato anterior tinha sido vereador a tempo inteiro. Eram outros tempos e viviam-se outras prioridades. Como foi essa experiência?

Quando fui eleito os únicos terrenos que a câmara tinha eram os do cemitério. Comecei por aí. Pela compra de terrenos. Essa foi a minha primeira preocupação. O Entroncamento não podia crescer sem terrenos para equipamentos. Era uma forma de assegurar o futuro.

O rei D. João II quando chegou ao poder também disse que apenas era rei das estradas porque a coroa não tinha nada. Podemos dizer que foi o presidente dos terrenos?

Não me assenta mal o título, mas também estive ligado a outras coisas, felizmente. A remodelação das redes de águas e esgotos foram feitas no meu tempo. Lutei e consegui uma conservatória e um tribunal. A zona industrial foi inaugurada no meu tempo. O mercado foi comigo, assim como a piscina, embora não a tenha inaugurado. Na altura fui buscar 430 mil contos de fundos comunitários porque tinha muitos projectos. E não fiz mais porque não me deixaram. Por detrás da hidroeléctrica estava um terreno aprovado superiormente para uma faculdade….mas olhe que eu na câmara até orçamentos cheguei a fazer quando era vereador a tempo inteiro. Na altura não tínhamos chefe de secretaria.

Só fez um mandato como presidente, o que não é normal.

Havia uma polémica que punha o meu nome em causa. Não quero falar disso. Não suporto golpes baixos para afastar pessoas e na política há muito disso. O Jorge Lacão e o Mário Soares insistiram comigo. Disseram que eu é que era o candidato mas eu recusei. Foi para sempre. Nunca mais me interessei por política activa. Não me falem de política!

Mas tem um filho, o João Fanha Vieira, que é vice-presidente da câmara do Entroncamento, eleito pelo PSD e o outro, o José Eduardo Fanha Vieira, também foi vereador, pelo PS e que agora está na assessoria do Conselho de Ministros. E se calhar foram os dois para a política por sua influência.

É provável que possam ter sido influenciados por mim. Não sei. Eu estou vacinado mas considero que a política é uma actividade nobre quando exercida com elevação. Infelizmente não foi isso que eu vivi naquela altura e daí a minha opção.

Não fala de política com os fi-lhos?

Pode não acreditar mas se almoçamos em família não falamos de política. É mais fácil falarmos de futebol porque somos todos do Benfica.

Não gosta de os ver na política?

Nada disso. Acho que enquanto estiverem na política vão fazer um bom trabalho e isso é importante em termos cívicos. A sociedade necessita do contributo de pessoas como eles mas eu preferia que estivessem a exercer as suas profissões. O João é um excelente professor. Nasceu para ser professor. Sou frequentemente abordado por antigos alunos dele que fazem questão de me dizer isso. O José Eduardo é um excelente advogado. Especializou-se em questões desportivas. Muitos jogadores famosos eram seus clientes. Era sócio do escritório do antigo ministro do Trabalho Maldonado Gonelha. Eu cheguei a ir, de propósito, assistir às alegações finais de alguns dos seus casos.

O senhor foi eleito pelo PS, o seu filho João é do PSD…

Eu cheguei a propor ao partido ter um vereador a tempo inteiro do PSD, o senhor Porfírio Rodrigues. A primeira Feira do Livro do Entroncamento partiu da iniciativa do Engº Mário Eugénio que era vereador da CDU. Foi um grande acontecimento, nunca mais se fez uma assim. Sempre considerei que interessam mais as pessoas e as suas ideias que os partidos a que pertencem.

O actual executivo tem uma maioria PSD.

Dou-me belissimamente bem com o actual presidente Jaime Ramos. E com todo o executivo. E não é por o meu filho João ser vice-presidente. A câmara municipal tem apoiado em bloco a Misericórdia do Entroncamento. Só se não puderem é que não apoiam. Têm sido inexcedíveis. Eles entendem que esta organização e o seu trabalho é um bem para a cidade. A Misericórdia tem que lhes estar grata por isso.

O Mirante

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