Entrevista | 3 Jun 2011, 09:48h | |||||
João Saldanha de Oliveira e Sousa, marquês de Rio Maior, vive na Azinhaga há mais de 40 anos Um marquês que convive bem com a República
Como o próprio diz “já tocou muitos burros”, sinal de que a sua vida se tem repartido por diversas actividades e interesses. O marquês de Rio Maior, 80 anos, vive na Azinhaga e é um engenheiro agrónomo e proprietário rural que vive da agricultura. É ainda provedor da Misericórdia de Azinhaga, presidente da assembleia geral da Agrotejo e dono de uma unidade de turismo de habitação. Monárquico convicto, este descendente do marquês de Pombal e do duque de Saldanha convive bem com a República. Numa conversa “em roda livre”, como repetiu várias vezes, aborda de forma viva e bem disposta episódios de uma vida recheada em que até foi o primeiro presidente da Câmara da Golegã depois da revolução do 25 de Abril. Há pouco tempo, em Paço dos Negros, hasteou a bandeira nacional. É um monárquico rendido à República? Não. A bandeira é de Portugal. Chamam-lhe bandeira da República portuguesa, mas Portugal existe há mais de 800 anos e a República existe há cem. Provavelmente preferia a bandeira da monarquia. Claro que preferia. Por outro lado, o hino nacional ainda me diz mais porque foi feito no tempo de D. Luís e em vez de ser contra os canhões era contra os bretões. Eu gostava de mudar da República para a monarquia, mas se calhar não mudava a bandeira nem mudava o hino. Como é ser marquês numa República? Só tem significado para as pessoas que possam estar ligadas ao passado. As pessoas das cidades não ligam nenhuma a isso, mas aqui na província é importante. Em que sentido? Pelas pessoas, porque têm consideração pelo passado. A gente em Portugal tem que ter consideração pelo passado. Com êxitos ou com disparates, mas tem que se ter consideração. Gosta de ser tratado por senhor marquês? Há duas perguntas que já me fizeram muitas vezes. Uma delas é o que é isso de ser marquês. A primeira vez fiquei tão admirado com a pergunta que só respondi: nasci. Ficou respondido. Quanto ao tratamento, é-me indiferente. Aqui na Azinhaga tanto me tratam por senhor engenheiro como por senhor marquês. Prefere algum dos tratamentos? Como nenhum é mentira aceito os dois (risos). Que relações tem com a Casa de Bragança? Dou-me lindamente com D. Duarte Pio. Tenho muita ligação com ele e pertenço a coisas consultivas, como o Conselho Monárquico. O que é que a monarquia poderia fazer melhor que a República? Só se pode fazer analogias vendo o que se passa noutros países, porque a monarquia não está a trabalhar ao mesmo tempo que a República. Costuma votar nas eleições presidenciais? A gente às vezes pode optar por um mal menor e eu tenho votado normalmente naquilo que considero o mal menor. Os republicanos protegeram bem o património deixado pela monarquia? O nacionalismo e o portuguesismo não são coisas que estejam propriamente na moda, mas uma coisa que não podemos negar é o nosso passado e tem havido algum cuidado nesse campo. A aristocracia é muitas vezes associada a um certo marialvismo. Concorda com essa leitura? Penso que há de tudo um pouco. Há os fidalgos intelectuais, como o meu avô, por exemplo, que era escritor, historiador e poeta, pugnava pelos seus ideais do catolicismo e não tinha nada de marialva. Mas quem é que conhecia o meu avô? Quase ninguém! Enquanto o marquês de Fronteira toda a gente conhecia, até porque pegava toiros e era brigão, dizem. Ainda por cima a minha família era bastante liberal, julgo que o duque de Saldanha também não tinha nada de marialva. E o senhor, tem uma costelazinha marialva? Não. Sou apenas aficionado aos toiros. Que ligação tem à cidade que lhe dá o título? Quando foi dado o título de conde de Rio Maior já não havia ligação entre os títulos e a posse. Não temos propriedades lá, mas há uma rua do Conde de Rio Maior. É uma terra simpática e o meu amigo Silvino Sequeira, quando era presidente da câmara, até me convidou, nos 150 anos do concelho, para hastear a bandeira de Portugal. De vereador do antigo regime a presidente da câmara após a revolução A revolução de 25 de Abril de 1974 operou mudanças acentuadas no país e também na vida de João Saldanha, que de vereador do município no antigo regime passou a presidente da primeira comissão administrativa da Câmara da Golegã após o golpe militar. Esteve em funções entre Junho e Dezembro de 1974, altura em que foi nomeada nova administração que geriu o município até às primeiras eleições autárquicas em 1976 já liderada pelos comunistas. Como é que um homem associado ao antigo regime, um latifundiário, surge como presidente da Câmara da Golegã em plena época revolucionária? João Saldanha explica esse facto com um conjunto de circunstâncias. Na altura, o ministro da Administração Interna era o coronel Costa Braz, natural da localidade vizinha do Pombalinho, e o governador civil de Santarém era Sacramento Marques, seu amigo pessoal. A confiança depositada por eles levou-o a aceitar o desafio, “Veja-se esta coincidência mirabolante de eu, que para muita gente necessariamente era fascista, latifundiário, membro de uma câmara que foi demitida, como foram todas, ficar como presidente interino da câmara”, diz João Saldanha, apontando outra circunstância que pode ter contribuído para explicar esse desfecho: a indefinição dos comunistas quanto à organização da Feira Nacional do Cavalo nesse ano conturbado. “Os comunistas estavam com medo de tomar a câmara e depois fazer ou não fazer a Feira Nacional do Cavalo. Porque se a fizessem era a favor dos fascistas latifundiários e donos de cavalos. Mas também sabiam que a malta adorava ir à Feira do Cavalo e à feira de quinquilharias no Largo do Arneiro”, pelo que seria complicado não a fazer. João Saldanha foi responsável pela feira nesse ano e apercebeu-se que o ministro Costa Braz tinha muito empenho que a mesma se realizasse. A organização não foi fácil, porque quase não havia coudelarias aptas a participar. “A feira realizou-se à base dos cavalos do Serrão de Faria e das provas de obstáculos com a Escola Prática de Cavalaria, mas não houve quebra. Pode ter sido um simulacro mas o que é certo é que houve cavalos”. Foi nesse escasso tempo como presidente da câmara interino que foi confrontado com a intenção do dono de um circo de montar a tenda em pleno Largo do Arneiro durante a Feira Nacional do Cavalo, ocupando o espaço nobre da feira. Perante a pretensão do homem, contactou o comando da Escola Prática de Cavalaria na presença do proponente, tendo ficado assente que não havia possibilidade de se alterar o que já estava programado. Era uma altura em que quem mandava eram os militares e João Saldanha ficou assim de tentar arranjar um espaço alternativo para o empresário montar o circo. Conseguiu arranjá-lo, mas entretanto do homem do circo desinteressou-se e não houve circo para ninguém. Salgueiro Maia impediu ocupação de terras nesta região Por que razão se refere à revolução do 25 de Abril por “25 barra 4”? É por brincadeira. Que significado teve essa revolução para si? Há uma curiosidade: eu era vereador da Câmara da Golegã nessa altura e não sabia de todo que ia haver o 25 de Abril. E tinha relações de conhecimento com o Salgueiro Maia e de amizade com o Pinto Pereira e o Palma. Conhecia praticamente toda a gente da Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Também conhecia o Costa Braz, que é natural do Pombalinho, que foi ministro da Administração Interna depois do 25 de Abril. É uma data de má memória para si? Não. Na história da humanidade houve sempre revoluções, como a liberal em Portugal e a francesa. Veja-se em França o que em nome da igualdade, da liberdade e da fraternidade o Robespierre fez e o que o Napoleão fez, que matou franceses às centenas nas guerras onde andou metido. Isso é uma fraternidade do caraças! Invadia os países para expandir os ideais da revolução. Não há praticamente nenhuma revolução na História que tenha sido inócua. Cá, também em nome da liberdade, cometeram-se alguns atropelos. Também foi vítima desses atropelos? Não. Penso que a Escola Prática de Cavalaria (EPC) não deixou que houvesse ocupações de terras aqui na zona. Mas as propriedades do meu tio no Alentejo foram expropriadas, ficou a zero. A Escola Prática de Cavalaria defenderia interesses que não seriam iguais aos da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas. E haveria também um pacto em que cada unidade fazia o que entendia na sua região. Na sua opinião, foi então graças à EPC que nesta zona não houve ocupações de terras? Sim. A própria EPC foi surpreendida com a ocupação da quinta da Torre Bela (Azambuja) e quando os mesmos que ocuparam a Torre Bela quiseram ocupar na Azambuja a quinta da Marquesa o Salgueiro Maia foi lá e não deixou. Não se esqueçam que era raro o mês que eu não estava com alguns deles. Fazia muita vida em Santarém nessa altura? Trabalhava na Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, brigada da décima região agrícola, em Santarém, na rua Pedro Canavarro. Trabalhei aí não sei quantos anos. É um visitante habitual da Feira de Agricultura em Santarém? Já fui mais. Agora, com 80 anos, vou a umas conferências e quase não ouço os conferencistas. Fico com os resumos. Gostou da deslocação da feira para a Quinta das Cegonhas? Para mim pessoalmente é muito melhor. Antes para chegar a Santarém era um inferno e agora não. Vai-se lá com muita facilidade. Há sítio para arrumar os carros e para ver muitas manifestações. As actividades taurinas e os campinos é que ficam um bocado longe. Um nobre agricultor João Vicente de Saldanha de Oliveira e Sousa nasceu em Lisboa a 23 de Julho de 1930, no berço de uma família nobre. Casado, tem 4 filhos e 11 netos. Formou-se em Agronomia na capital e cedo se dedicou à actividade agrícola, primeiro na zona de Alcobaça e actualmente na Azinhaga e no Alentejo. Foi funcionário do Ministério da Agricultura em Santarém e foi director da Estação Nacional de Fruticultura de Vieira Natividade, em Alcobaça, de que se reformou na década de noventa. Continua ligado ao movimento associativo, sendo presidente da assembleia geral da Agrotejo - União Agrícola do Norte do Vale do Tejo e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Azinhaga, aldeia onde reside há 43 anos numa casa senhorial com fachadas cobertas de heras adaptada também para turismo de habitação. “Recebemos poucos turistas, é na Feira do Cavalo e pouco mais”, diz. Fervoroso adepto do ideal monárquico, foi vice-presidente do Conselho de Nobreza e actualmente pertence ao Conselho Monárquico. Na sua árvore genealógica encontram-se nomes grandes da História lusa como o marquês de Pombal e o duque de Saldanha. “O primeiro conde de Rio Maior era genro do marquês e foi o pai do duque de Saldanha”. Gente liberal ligada à maçonaria, diz, cujos passos ele não seguiu nesse capítulo. Apesar de ser um aficionado pela festa brava - presença assídua na feira taurina de Sevilha - não se considera marialva. Interessado pela História do nosso país, que se cruza com a dos seus antepassados, não perde a oportunidade de enriquecer o seu espólio literário onde conta com uma “biblioteca pombalina” com cerca de 300 volumes que nos mostra com orgulho. A sua casa de Azinhaga é uma espécie de museu dos últimos cinco séculos do país. O escritório onde nos recebe este homem de pose serena, olhos azuis claros e cabelo branco imaculado proporciona uma pequena viagem pelo nosso passado. “Temos de ter consideração pelo passado”, diz a dado passo da entrevista. E o marquês de Rio Maior dá o exemplo. “Dei-me sempre bem com Saramago” Que opinião tem do filho mais ilustre de Azinhaga, o escritor José Saramago? Conheci o José Saramago, conversámos duas ou três vezes e demo-nos sempre muito bem. Até deu uma carrinha à Misericórdia de Azinhaga, de que sou provedor. Azinhaga e a Golegã têm sabido potenciar essa relação com Saramago? A Azinhaga muito bem. Inclusivamente houve celebrações promovidas em Lanzarote em que os únicos portugueses presentes eram o presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga e o embaixador de Portugal em Espanha. O município da Golegã podia fazer mais alguma coisa? Aí não estou a favor nem contra. Se podia fazer mais? Não sei. Olhe: o dr. José Maltez, que é casado com uma sobrinha minha, quando me apresentou ao Saramago e à Pilar disse que os Saldanhas vieram de Espanha. Eu disse que vieram de Castela, porque nessa altura não havia Espanha, o que é uma verdade histórica. Um pequeno concelho como a Golegã pode ter os dias contados? Acho que a política actual está baseada nos votos e quem se meter nisso de destruir concelhos apanha uma tareia na votação. Isso é praticamente impossível. Há quase 200 anos foram os seus antepassados liberais que extinguiram cerca de 400 municípios. Sim. E foi útil. E não seria útil agora? Até era, mas com o sistema político actual não acredito. Ia com muita frequência a uma propriedade de um amigo meu que tinha 16 mil hectares, o dobro do tamanho do concelho da Golegã. E aqui perto há ainda a Barquinha e o Entroncamento que também são concelhos pequenos. Azinhaga vai estar em festa nos próximos dias. Envolve-se na Festa do Bodo? Sim. Na primeira reconstituição da Festa do Bodo antes da revolução de Abril fui eu o juiz. Houve entretanto uma interrupção e depois voltou a haver. Este ano é notável, pois até vai haver concerto musical e uma picaria, que julgo que nunca houve. O Mirante |
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sábado, 4 de junho de 2011
Santa Casa da Misericórdia de Azinhaga
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