A virtude do País sem lei
04 Agosto2011 | 11:28
Helena Garrido - Helenagarrido@negocios.pt
Os salários só podem ser cortados em determinadas condições? Claro, isso é o que diz a Lei. Na prática, cada empresa faz o que quer, como quer e quando quer.
Os salários só podem ser cortados em determinadas condições? Claro, isso é o que diz a Lei. Na prática, cada empresa faz o que quer, como quer e quando quer.
Há anos que a legislação laboral é, regra geral, rígida no papel e flexível na realidade. A violenta crise que abala o País provocou o passo na direcção de um mercado laboral sem Lei. O terror de perder o emprego e a ausência de uma justiça eficaz na garantia dos contratos - e que impeça a proliferação de empresas zombies - aliam-se diabolicamente para esta pseudoflexibilidade.
Os casos que o Negócios hoje descreve na sua edição em papel (do jornal "i", da empresa de transporte Rodo Cargo e da Santa Casa da Misericórdia de Ribeira da Pena) são apenas três entre vários que mostram como é fácil reduzir salários em Portugal. Tal como sempre foi, e é, fácil despedir.
Se a realidade estivesse transcrita na Lei, Portugal seria um dos países com o mercado de trabalho mais flexível da Europa. O que nos tem (também) prejudicado, ao País e a quem nele trabalha é este fazer de conta que temos direitos impossíveis de garantir pelo Estado de Direito e pela dura realidade dos dias de hoje. É por estas razões que todos ganhavam - incluindo quem trabalha por conta de outrem - com leis desenhadas para a realidade, e não para o sonho, mas que fossem aplicadas sem dó nem piedade.
Claro que este mundo do trabalho com pouca lei e ordem vale milhões nos actuais tempos. Imagine-se, por momentos, que a Lei se cumpria à risca, como acontece nos países desenvolvidos da Europa do Norte. Muito do que hoje se vai fazendo de cortes salariais e despedimentos seria impossível, condenando à falência muito mais empresas e provocando uma recessão muitíssimo mais violenta do que aquela para que caminhamos.
Não se está aqui a defender, obviamente, a violação da Lei. Pelo contrário. Todos estaríamos melhor se as regras fossem cumpridas em Portugal. A crise que vivemos não seria tão grave, tal como não seria tão ampla a correcção que temos de fazer. A ausência de um eficaz Estado de Direito sustentou a euforia no passado, dos aumentos salariais ao endividamento excessivo, e agora está a alimentar o pânico que se reflecte nos cortes salariais ou no aumento da poupança. Em linguagem de economista, a falta de lei e ordem é pró-cíclica, amplia as tendências.
Quando José da Silva Lopes diz que a economia portuguesa revelou ao longo das crises das últimas quatro décadas uma capacidade de ajustamento notável, está a referir-se a este poder de nos ajustarmos rapidamente às circunstâncias. Mas essa adaptabilidade tem-se observado igualmente nas fases de prosperidade. O País reagiu com a mesma rapidez e flexibilidade às políticas de austeridade dos anos 70 e 80 do século XX como aos perversos incentivos ao endividamento e à construção e Obras Públicas dados pela acentuada baixa das taxas de juro e pelo investimento em betão da última década e meia.
Os cortes salariais são e serão terríveis para todos - e há poucos que não os tenham já tido, nem que seja apenas por via de mais impostos. Mas a redução de salários é uma terapia que, na dose certa, contribui para sairmos da crise com menos dor porque menos empresas vão falir; porque precisamos de menos empréstimos; e - o que seria a cereja em cima do bolo, mas que não depende só de nós - porque poderemos exportar mais.
Enquanto a crise vai passando, seria bom que se acabasse com esta falta de lei no trabalho. Uma lei laboral mais flexível mas que se aplique evitará as euforias e as crises, dispensará estas virtudes fora da lei.
Há anos que a legislação laboral é, regra geral, rígida no papel e flexível na realidade. A violenta crise que abala o País provocou o passo na direcção de um mercado laboral sem Lei. O terror de perder o emprego e a ausência de uma justiça eficaz na garantia dos contratos - e que impeça a proliferação de empresas zombies - aliam-se diabolicamente para esta pseudoflexibilidade.
Os casos que o Negócios hoje descreve na sua edição em papel (do jornal "i", da empresa de transporte Rodo Cargo e da Santa Casa da Misericórdia de Ribeira da Pena) são apenas três entre vários que mostram como é fácil reduzir salários em Portugal. Tal como sempre foi, e é, fácil despedir.
Se a realidade estivesse transcrita na Lei, Portugal seria um dos países com o mercado de trabalho mais flexível da Europa. O que nos tem (também) prejudicado, ao País e a quem nele trabalha é este fazer de conta que temos direitos impossíveis de garantir pelo Estado de Direito e pela dura realidade dos dias de hoje. É por estas razões que todos ganhavam - incluindo quem trabalha por conta de outrem - com leis desenhadas para a realidade, e não para o sonho, mas que fossem aplicadas sem dó nem piedade.
Claro que este mundo do trabalho com pouca lei e ordem vale milhões nos actuais tempos. Imagine-se, por momentos, que a Lei se cumpria à risca, como acontece nos países desenvolvidos da Europa do Norte. Muito do que hoje se vai fazendo de cortes salariais e despedimentos seria impossível, condenando à falência muito mais empresas e provocando uma recessão muitíssimo mais violenta do que aquela para que caminhamos.
Não se está aqui a defender, obviamente, a violação da Lei. Pelo contrário. Todos estaríamos melhor se as regras fossem cumpridas em Portugal. A crise que vivemos não seria tão grave, tal como não seria tão ampla a correcção que temos de fazer. A ausência de um eficaz Estado de Direito sustentou a euforia no passado, dos aumentos salariais ao endividamento excessivo, e agora está a alimentar o pânico que se reflecte nos cortes salariais ou no aumento da poupança. Em linguagem de economista, a falta de lei e ordem é pró-cíclica, amplia as tendências.
Quando José da Silva Lopes diz que a economia portuguesa revelou ao longo das crises das últimas quatro décadas uma capacidade de ajustamento notável, está a referir-se a este poder de nos ajustarmos rapidamente às circunstâncias. Mas essa adaptabilidade tem-se observado igualmente nas fases de prosperidade. O País reagiu com a mesma rapidez e flexibilidade às políticas de austeridade dos anos 70 e 80 do século XX como aos perversos incentivos ao endividamento e à construção e Obras Públicas dados pela acentuada baixa das taxas de juro e pelo investimento em betão da última década e meia.
Os cortes salariais são e serão terríveis para todos - e há poucos que não os tenham já tido, nem que seja apenas por via de mais impostos. Mas a redução de salários é uma terapia que, na dose certa, contribui para sairmos da crise com menos dor porque menos empresas vão falir; porque precisamos de menos empréstimos; e - o que seria a cereja em cima do bolo, mas que não depende só de nós - porque poderemos exportar mais.
Enquanto a crise vai passando, seria bom que se acabasse com esta falta de lei no trabalho. Uma lei laboral mais flexível mas que se aplique evitará as euforias e as crises, dispensará estas virtudes fora da lei.
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