Provedor da Misericórdia de Portimão acusado de 17 crimes
13.02.2012 - 07:35
Por José António Cerejo
A instrução do processo está a correr desde Dezembro no Tribunal de Portimão (Foto: Pedro Inácio)
Acusação do Ministério Público visa também um ex-provedor e tem a ver com enriquecimento ilícito. Arguidos já contestaram o despacho.
O antigo tesoureiro e actual provedor da Misericórdia de Portimão, José Correia, bem como o anterior provedor, José Serralha, foram acusados pelo Ministério Público (MP), em Abril do ano passado, pela prática de vários crimes de infidelidade e participação económica em negócio - os dois; e de peculato e falsificação, apenas o primeiro. Em causa está o alegado aproveitamento dos seus cargos para enriquecimento pessoal, acusação que os visados refutam. O processo está em fase de instrução, não estando ainda decidido se os arguidos vão ou não a julgamento.
A investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária partiu de uma denúncia feita ao MP e à Segurança Social, em 2008, por uma médica que pertencia aos órgãos sociais da Casa de Nossa Senhora da Conceição (CNSC), uma outra instituição particular de solidariedade social (IPSS) a que José Correia presidira em Portimão até ao ano anterior. Nessa altura, o então tesoureiro da Misericórdia, que é técnico oficial de contas, presidia a uma terceira IPSS da cidade, o Lar da Criança de Portimão (LCP), sendo a mulher vogal do conselho fiscal da Misericórdia, além de directora de serviços e técnica de contas do LCP, A filha de ambos, por seu lado, era funcionária da Misericórdia e técnica de contas dessa instituição e da CNSC. Finalmente, o filho trabalhava também para a Misericórdia como secretário da direcção.
No quadro desta instituição, José Correia e o então provedor tinham ocupado, entre 2003 e 2007, os lugares de administradores únicos de duas empresas, a Saudecórdia e a Servicórdia, criadas em 2003 pela Misericórdia, como sócia única, para gerir o seu hospital. Os dois juntos receberam, a esse título, cerca de 591 mil euros (mais de cinco mil euros mensais cada um).
De acordo com a acusação do MP, tanto a Saudecórdia como a Servicórdia contrataram, por iniciativa "exclusiva" dos seus administradores, os serviços da Rufalgarve, uma empresa de contabilidade de José Correia e da mulher, que também era paga para fazer a contas da Misericórdia, da CNSC e do LCP.
As três IPSS e as duas empresas da Misericórdia pagaram à Rufalgarve, entre 2004 e 2009 (2003 não foi apurado), um total de 129 mil euros, mas os serviços "acabaram por não ser realizados por tal empresa". As três IPSS tinham técnicas de contas contratadas, precisamente a mulher e filha de José Correia, enquanto nas duas empresas era sempre a filha, técnica de contas da Misericórdia, quem assumia a responsabilidade das declarações fiscais.
A Saudecórdia acabou por ser fechada em 2008, com um prejuízo acumulado de quase 1,9 milhões de euros, enquanto a Servicórdia foi encerrada pela ASAE, em 2007, por não ter alvará para fornecer refeições ao hospital, com um prejuízo de 430 mil euros. Os cerca de 2,3 milhões de euros de resultados negativos das duas empresas foram assumidos pela Misericórdia, o que lhe acarreta custos anuais de 229 mil euros até 2019.
"No âmbito das três IPSS e das duas empresas da Misericórdia, o arguido José Correia sabia que ao contratar os serviços da Rufalgarve - da qual era sócio-gerente - lesava os interesses de tais pessoas colectivas, na medida em que elas tinham pessoas competentes para executar os serviços contratados, tendo-o feito com o propósito de obter ganhos patrimoniais ilegítimos", acusa o MP.
IPSS financiavam prejuízos
A auditoria ordenada pela Segurança Social após a denúncia e concluída em 2009 indica também que todos os seguros do LCP tinham sido contratados através da Seguros do Século XXI, uma mediadora de que José Correia era sócio-gerente. No final dessa auditoria, o presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho, concluiu que se estava perante uma "prática reiterada de gestão danosa" de entidades que recebiam importantes apoios do Estado, transmitindo o respectivo relatório ao Ministério Público.
A investigação da PJ identificou a criação da Saudecórdia e da Servicórdia como o elemento central da estratégia dos arguidos para "obterem ganhos ilegítimos". A pretexto de conseguir melhorias na gestão da Santa Casa e do seu hospital, que acabara de ser remodelado, José Correia e José Serralha promoveram a alteração dos estatutos da instituição, por forma a que esta pudesse entrar no capital das duas empresas. Paralelamente, José Correia conseguiu que a CNSC e o LCP, entidades de que era presidente, alterassem os seus estatutos, com o objectivo de também elas participarem no capital daquelas empresas. Para isso convenceu os sócios de que tanto eles como os utentes e os trabalhadores das duas instituições teriam direito a "largos benefícios na prestação de cuidados de saúde" por parte do Hospital da Misericórdia.
As duas IPSS nunca chegaram, todavia, a entrar no capital das empresas e os benefícios prometidos nunca apareceram. Mas dos seus cofres saíram para a Misericórdia, entre 2004 e 2007, cerca de 830 mil euros. Segundo a acusação, José Correia utilizou os cargos que tinha na CNSC e no LCP para transferir essas verbas, através de cheques por si assinados, "a fim de cobrir as dificuldades financeiras das empresas Saudecórdia e Servicórdia e de suportar os ganhos" que nelas obtinha.
Com a finalidade de dar uma aparência legal a essas transferências, José Correia terá ainda, afirma a acusação, forjado e falsificado diversas actas da CNSC, Os montantes em causa foram mais tarde devolvidos pela Santa Casa, mas sem que fossem pagos quaisquer juros. O LCP, a cuja direcção pertence agora a mulher de José Correia, ao mesmo tempo que é directora de serviços, decidiu perdoá-los, mas a CNSC não só exige esses juros, como se constituiu assistente no processo e pediu uma indemnização ao seu antigo presidente no valor de 101 mil euros.
Face aos elementos recolhidos pela Judiciária, o MP acusou José Correia pela prática, em co-autoria com José Serralha, de dois crimes de participação económica em negócio e dois de infidelidade. Correia foi também acusado da autoria material de dois crimes de peculato, cinco de participação económica em negócio e seis de falsificação, tendo o MP pedido a sua suspensão das funcões que desempenha, desde 2008, como provedor da Misericórida. O juiz de instrução, no entanto, rejeitou esse pedido, atendendo a que os factos são anteriores ao início desse mandato e que o arguido foi eleito por unanimidade tendo a sua eleição sido homologada pelo bispo. José Correia voltou a ser eleito provedor no ano passado.
Arguidos refutam acusações e pediram a abertura de instrução
Na sequência da acusação do MP, José Correia e José Serralha pediram a instrução do processo, alegando, entre outras coisas, que os ganhos por eles obtidos na Saudecórdia e na Servicórdia "mais não são do que as contrapartidas decorrentes do trabalho que prestaram às sociedades", enquanto gerentes. Correia sustenta também que quando a Rufalgarve foi contratada pela Misericórdia, pela CNSP e pelo LCP ele ainda não era membro dos órgãos sociais destas instituições. Quanto à contratação da sua empresa pela Saudecórdia e pela Servicórdia, afirma que "não teve qualquer intervenção" no caso.
A instrução foi aberta em Dezembro, devendo agora ser ouvidas as testemunhas indicadas pelos arguidos. Entre as que foram arroladas por José Correia consta o presidente da Câmara de Portimão, Manuel da Luz, e o vice-presidente, Luis Carito, ambos do PS. O primeiro foi presidente da Assembleia Geral da Misericórdia entre 2008 e 2011. O segundo, enquanto sócio-gerente de uma empresa de serviços médicos, negociou em 2004 a sua entrada, que não se concretizou, na administração do Hospital da Misericórdia.
Público
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