domingo, 3 de outubro de 2010

Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Zêzere

Violência doméstica. Pena suspensa para 38 anos de agressões

por Inês Cardoso
Publicado em 02 de Outubro de 2010

Tribunal de Ferreira do Zêzere condenou agressor a três anos e meio de prisão, mas Relação de Coimbra suspendeu execução

O fenómeno mantém uma marca de género: 85% das vítimas são mulheres
Casada desde 1970, Z. sofreu durante 38 anos murros, bofetadas, pontapés e agressões verbais. Continuou a ser agredida depois de sofrer um AVC e de estar em cadeira de rodas e a violência só terminou em 2008, depois de ser internada na Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Zêzere. O tribunal desta comarca condenou o marido a três anos e meio de prisão efectiva, mas a Relação de Coimbra suspendeu agora a pena, justificando que A. A. não tinha antecedentes criminais.

A brutalidade das agressões de que Z. foi vítima desde o início do casamento não causou dúvidas ao tribunal. Um dos filhos do casal testemunhou "de modo credível e sincero" o impacto que a violência causou, ao longo do tempo, na mãe, mas também em vizinhos e técnicos do centro de dia frequentado pela mulher, que deram conta da "grande perturbação e sofrimento" em que vivia. Além de causar permanentes hematomas, o marido impedia que a mulher fosse levada para tratamentos, proibia-a de participar em actividades do centro e quando já estava dependente, em cadeira de rodas, tinha-a sempre "suja e descuidada".

Apesar de ter confessado parcialmente os factos, A. A. não mostrou arrependimento e essa foi, a par da continuidade dos maus tratos, a principal razão para a juíza considerar que a pena deveria ser efectiva.

Razões para a suspensão. Para penas inferiores a cinco anos, como era o caso, o Código Penal prevê que a pena possa ser suspensa desde que o arguido não tenha antecedentes, que o tribunal julgue não haver risco de reincidência e considere, além do mais, que "a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

O Tribunal da Relação, após recurso do Ministério Público, entendeu que manter o arguido em liberdade, desde que sujeito a um plano individual de reinserção social, cumpria de forma eficaz os objectivos da pena. A prisão efectiva, lembra o acórdão, deve ser "o último recurso" do sistema penal.

Apesar de suspender a pena, o juiz desembargador retira a obrigatoriedade de pagar 500 euros à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), proposta pelo Ministério Público. O tribunal considera que o arguido tem "parcos rendimentos" e a entrega de uma quantia à APAV poderia "prejudicar a própria situação económica da ofendida", já que o marido paga 133 euros mensais pelo internamento na Santa Casa.

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