sábado, 22 de agosto de 2009

Santa Casa da Misericórdia de Valpaços

Sexta-feira, 03 de Julho de 2009
Provedor da Misericórdia recebe ilegalmente
Valpaços
Especialistas em direito administrativo não têm dúvidas:

Eugénio Morais, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Valpaços, recebe indevidamente uma remuneração mensal desde 2007"O provedor da Misericórdia de Valpaços está, desde 2007, a receber uma compensação anual “por tempo perdido” de 15 mil euros, contrariando os estatutos da instituição, que não prevêem que os elementos da mesa administrativa da instituição sejam remunerados. O jurista da Misericórdia e o presidente da Assembleia Geral sustentam que a decisão foi tomada com base num parecer da União das Misericórdias. Mas dois especialistas em direito administrativo contactados pelo Semanário TRANSMONTANO entendem, porém, que a compensação é ilegal. E que contraria a Lei, que diz que o exercício de cargos nos corpos gerentes destas instituições é gratuito, podendo apenas serem pagas despesas dele derivadas.
A Misericórdia de Valpaços está a incorrer numa prática que uma inspecção da Segurança Social levada a cabo na instituição já considerou irregular. Em causa estava então o recebimento por parte do provedor de uma quantia fixa mensal de 600 euros que, por configurar uma remuneração, foi considerada irregular, ainda que aprovada numa Assembleia-Geral.
No entanto, a verdade é que, mesmo sem os estatutos terem sido alterados, o provedor continua a receber. Aliás, agora mais do dobro. A proposta de alteração dos estatutos chegou a ser elaborada, mas acabou por ser abandonada. A Assembleia-Geral (AG) entendeu que não seria necessário. Além do mais, a alteração obrigaria a que a mesma fosse rectificada pela Diocese de Vila Real e a nova publicação, o que poderia ou não acontecer. A solução encontrada pela Mesa Administrativa e pela AG, que rectificou a proposta, foi a atribuição ao provedor de uma “compensação anual por tempo perdido” no valor de 15 mil euros líquidos.
Dois especialistas em direito administrativo contactados pelo Semanário TRANSMONTANO consideram, porém, que a ilegalidade se mantém, uma vez que contraria o espírito do Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro, no que diz respeito às condições do exercício dos cargos nos corpos gerentes das Instituições Privadas de Solidariedade So-cial, onde se inclui a Santa Casa da Misericórdia de Valpaços.
De acordo com o nº 2 do artigo 18º do referido decreto, os corpos gerentes só podem ser remunerados “quando o volume do movimento financeiro ou a complexidade da administração das instituições exijam a presença prolongada de um ou mais membros dos corpos gerentes,” e “desde que os estatutos o permitam”.
Não é o caso da Misericórdia de Valpaços, uma vez que a alínea a) do artigo 30º dos seus estatutos diz que “não podem ser membros da Mesa Administrativa os irmãos que estiveram ao serviço remunerado da instituição”. Por sua vez, o ponto nº 1 do mesmo artigo do Decreto-Lei 119/83 estabelece que o “exercício de qualquer cargo nos corpos gerentes das instituições é gratuito” e que pode apenas “justificar o pagamento de despesas dele derivadas”. Ora, também neste caso, entendem os especialistas contactados, que a compensação fixa atribuída ao provedor não tem enquadramento legal. “Dá-me a impressão que não se pode aceitar isso de fixar uma compensação anual. Deveria ser compensado conforme a despesa feita. Por exemplo, fez uma viagem a Lisboa, ao entregar as facturas aos serviços da Misericórdia, seria pago”, defende o advogado Rui Polónio Sampaio, considerando ainda que esta compensação “foge ao preceito da Lei, que diz que o cargo é gratuito”.
“O que é gratuito não é remunerado. A pessoa só vai para lá se quiser. Parece-me claro”, observa, para concluir que a solução encontrada não é diferente de uma remuneração. “O que interessa receber 600 euros mensais ou ter uma compensação anual? É só o nome que muda”.
António Fonseca de Sousa, director dos Cadernos de Justiça Administrativa e Professor na Faculdade de Direito na Universidade do Minho, tem uma opinião semelhante. Desde logo porque entende que “o montante fixo não é compatível com o conceito de despesas”. “As despesas são pagas a posteriori. Quando se fixam está-se a fazê-lo a priori”, defende o professor, considerando que se trata de um “ordenado” e que contraria a gratuitidade do exercício do cargo previsto na Lei. “A situação é abusiva, não está coberta pela Lei”, conclui.
Confrontado pelo Semanário TRANSMONTANO, o provedor, que dispõe de uma viatura da instituição 24 horas por dia e também dispõe de um cartão de crédito da Misericórdia, remeteu explicações para o jurista da instituição, Coelho Marques.
Este alega que a decisão é “legal”, que “foi aprovada em assembleia-geral”, que “é do conhecimento dos irmãos” e que é do conhecimento da União das Misericórdias.
O presidente da Assembleia-Geral da Misericórdia, Amílcar Almeida, é da mesma opinião. “É legal. Houve até o cuidado de se falar com a União das Misericórdias, havendo também um parecer da Direcção-Geral de Finanças. Ambos os pareceres devem estar anexos às actas”, frisa Amílcar Almeida.
O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, corrobora a legalidade da compensação, embora admita que era “preferível que estivesse previsto nos estatutos”. “Mas, do meu ponto de vista, não vejo ilegalidade nenhuma nessa situação. Foi votado em assembleia-geral. É transparente. Quando muito pode ser considerado um erro de forma, que fica sanado se os estatutos forem alterados”, diz, lembrando que a “compensação não é uma remuneração”.
Manuel Lemos alega também que o grande defensor da tese da compensação tem sido o padre Vítor Melícias."

Semanário Transmontano

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