sexta-feira, 13 de março de 2009

Santa Casa da Misericórdia de Alcafozes

Tradição secular ao longo da Quaresma


Procissão Corrida mantém-se em Alcafozes
“Cristo estais aldinós”, assim entoa a sabedoria popular, um verso que tem o simples pedido de ‘Cristo ouvi-nos’. É o início da Procissão Corrida, uma tradição que se mantém ao longo das sextas-feiras da Quaresma, em Alcafozes.


A freguesia de Alcafozes mantém uma tradição quaresmal secular, única no concelho e, quem sabe, mesmo a nível nacional. Trata-se da Procissão Corrida, vivida nesta freguesia do concelho de Idanha.

Antes das nove da noite, o sino toca duas vezes avisando a população de que se prepara a procissão. Quanto o sino badala a terceira vez é o sinal de saída. Reconquista foi ver como decorre esta tradição, que também faz regressar os filhos à terra, para reviver os Mistérios da Paixão.

Chegámos bem cedo a Alcafozes, ainda o sino não tinha tocado. No entanto, já havia irmãos da Misericórdia e a própria provedora estava na igreja. Começavam os preparativos. Vestiam o ‘balandrau’ (opa ou capa preta), preparavam as lanternas, conversavam.

E recordavam os tempos idos, mas onde nunca a procissão, com homens e mulheres deixou de se fazer. A própria provedora, Emília Cabral lembra que já no tempo do seu pai e do seu avô se realizava esta ‘coisa’ diferente. “Não paramos em lado nenhum, a não ser na Igreja Matriz, onde se reza a Ladainha. Percorrem-se os locais dos Passos, mas sempre a andar”, conta.

Também as Procissões dos Passos e de Quinta e Sexta Feira Santas decorrem na localidade. Mas esta é única. “Acho muito bonito e é muito bom para a nossa terra, porque se não as mantivéssemos, a Quaresma ficava sem vida”, diz Emília Cabral.

Há 43 anos como irmão da Misericórdia de Alcafozes, Manuel Esteves, quer completar os 50 dentro da instituição. Ele, é uma das personagens principais de toda esta encenação. É ele que dá o mote, cantando os versos e esperando, depois, que a população responda. Hoje já tem quem o substitua e possa perpetuar esta tradição e ambos assumem o papel de regradores. Mas, ao olhar em redor percebe-se que os jovens são poucos e que será necessário um grande esforço para que a tradição não se perca. “Esta é a única Misericórdia do concelho que mantém a tradição à antiga”, refere.

Ao longo das sete semanas, durante todas as sextas-feiras da Quaresma, a Procissão Corrida sai à rua. Pelo meio, na quinta semana, faz-se a Procissão dos Passos, que pára a cada Passo, onde se encontra um altar, preparado e enfeitado por quem mora por perto.

António Silveira Catana descreve no seu livro «Mistérios da Páscoa em Idanha» que “em Alcafozes, as procissões nas sextas-feiras da Quaresma, com a participação de homens e mulheres, também são orientadas no circuito habitual, pelos Irmãos da Misericórdia. Dois dos Irmãos, os regradores, ao modo de responsório, comandam os arcaicos cânticos e as rezas”.

E Manuel Esteves revela, que “cantamos antes de sair e depois canta-se a ladainha na Igreja e vamos nomeando pelas ruas todos os santos. São muitos e muitos. As pessoas que nos acompanham repetem o que eu digo”.

“Os Irmãos que se haviam reunido, na Sacristia, entram na Igreja e colocam-se no altar-mor. Todos se benzem e olham para a Imagem do Senhor arvorado, que é «um Cristo esculpido por mãos de artesão, representando um crucificado rude, rural, calejado» (…)”, continua António Catana, no seu livro.

Na Igreja da Misericórdia, perfilam-se os Irmãos e os regradores colocam-se frente ao altar. “Cristo estais aldinós” (Christe, audi nos) – ‘Cristo ouvi-nos!’, é o primeiro verso cantado e repetido pela plateia. Antes de saírem para a rua, depois de repetidas três vezes os cânticos, retiram o Cristo Cruzificado”. Começam a ladainha, param na Igreja Matriz, regressam à Misericórdia, colocam a Cruz e repisam o cântico inicial. Está feita a Procissão Corrida que regressa na próxima sexta-feira, até á Páscoa.

Esta procissão é feita, apensa pelos irmãos da Misericórdia e pelos populares. Já a procissão dos Passos, conta com a presença do pároco.

Encostam-se as lanternas e guardam-se os balandraus. Até à próxima semana. Refira-se que o capuz da opa só é colocado na cabeça, na procissão do Enterro do Senhor.


Por: Cristina Mota Saraiva

A Reconquista

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