segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Santa Casa da Misericórdia de Portimão

Como bordar faz chegar aos 102 anos (com fotos)


armindo vicente

D. Ilda Montes e a amiga D. Maria Iliete Bragança
É difícil conseguir distinguir qual das senhoras que estão sentadas na sala comum do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Portimão é Ilda Montes. Os 102 anos que fez na semana passada não ajudam a identificá-la, pois não parece ter mais de um século de vida. Os únicos elementos que podem dar uma pista são os seus bordados.

Está sentada num dos extremos da sala, ladeada pelos seus trabalhos e pela sua melhor amiga, Maria Iliete Bragança. É aquela que lhe faz companhia e com quem conversa a maioria do tempo. «É uma amiga muito grande. Aqui somos todas amigas, mas nós temos umas que são as preferidas», confidenciou D. Ilda.

Ilda Montes, com os seus 102 anos, tem muito para contar sobre a vida de outrora, até porque já viveu em dois séculos. «No meu tempo a vida era muito diferente», afirma, com um suspiro.

Não era normal uma rapariga estudar, «mas eu tinha vocação e adorava aquela vida. Havia algumas raparigas na Escola Industrial, mas não tantas como há hoje», conta.

Tinha 14 anos quando entrou naquele estabelecimento, em Portimão, onde nasceu a 3 de Fevereiro de 1907. Quando entrou na Escola Industrial, corriam os anos 20 do século passado.

«Eu fui estudando e depois comecei a ensinar a fazer bordados a várias senhoras de uma certa importância aqui da cidade», descreve.

Mas, além de ensinar a bordar à alta sociedade portimonense, chegou a fazer muitos trabalhos para fora. E foi então que, mesmo sem o saber, a sua vida se cruzou com aquela que hoje, muitos anos depois, é a sua melhor amiga no Lar D. Leonor, da Santa Casa da Misericórdia de Portimão.

«A minha irmã, antes de eu me casar, encomendou-lhe os lençóis para o casamento. A D. Ilda é que os bordou, mas eu só soube disso quando vim para aqui, porque na altura vivia em Faro e não a conhecia», conta Iliete Bragança.

Tradições que se perderam com o passar dos anos, pois hoje é rara a noiva que pensa ter lençóis bordados à mão. Em consequência, aquele ofício também se perdeu.

«Não se encontram muitas pessoas que se dediquem à minha arte. Naquela altura, qualquer miúda ou senhora sabia bordar. Hoje só se querem educar doutra forma», lamenta D. Ilda.

No entanto, não acha mal que as mulheres se formem e tenham as mais diversas profissões. Mas é quase inimaginável para uma jovem de hoje algumas das situações descritas pelas duas idosas, já que, naqueles tempos, «uma senhora ficava mal vista por sair de casa sozinha».

D. Ilda, com mais 13 anos que a sua amiga, viveu as duas guerras mundiais, recordando que «foram anos difíceis. As pessoas ficavam em filas para, com as senhas, irem buscar o pão ou o arroz».

As dificuldades, porém, nunca a assustaram. E vai garantindo que nunca se arrependeu de trabalhar tanto, para que os seus dois filhos se formassem e exercessem as suas profissões preferidas.

Agora admite que «já não sou a Ilda de outro tempo. Fico mais cansada da vista e não sou tão activa, mas ainda quero continuar a bordar».

O frio do Inverno e a menor agilidade das mãos não a deixam fazer o que mais gosta. É que, além de bordar, D. Ilda ainda se dedicou à pintura, e mais tarde, aos trabalhos com feltro.

Com orgulho mostra um dos seus bordados, que retrata a última «Ceia de Cristo», com o qual arrecadou um prémio na exposição do Mundo Português, no longínquo ano de 1940.

O segredo para fazer tão delicadas peças não o revela. E só explica como manuseia o feltro, depois de alguma insistência. «Há muitas maneiras de fazer», justifica-se.

O seu espólio é grande, pois a professora de bordados fez também muitos objectos para a Câmara de Portimão e até para as procissões da Igreja.

«Quando acabei a escola, puxaram por mim e eu aproveitei. Fui trabalhar para o mestre Pina», um pintor conhecido em Portimão naquela altura, revela.

Nos seus tempos de juventude tinha também dotes de decoração, tanto que era chamada pelas associações para dar outro ar aos salões de festa.

Hoje, não esconde as saudades do marido, que afirma ter sido «excelente», sendo esta outra das diferenças do seu tempo para os tempos modernos. «É difícil encontrar homens, hoje em dia, que sejam como o meu marido foi», afiança.

A sua maior alegria é mesmo a visita dos seus familiares, que, de vez em quando, até a levam a passear, pois, apesar de haver pequenas viagens no Lar, só gosta de sair com a sua família. D. Ilda tem dois filhos, quatro netos e seis bisnetos.

Agora passa os dias no Lar, onde garante que a tratam muito bem, esperando a chegada da Primavera, e, com ela, um tempo mais quente, que já a pode deixar bordar descansada.


15 de Fevereiro de 2009 | 09:17
ana sofia varela

Sem comentários: