sexta-feira, 17 de abril de 2009

Santa Casa da Misericórdia de Aveiro

Misericórdia de Aveiro com "prejuízos operacionais elevados"

Texto dePedro José Barros / Sara Pereira

Com 510 anos de história, a Santa Casa da Misericórdia de Aveiro é a mais conceituada instituição do distrito que presta apoio aos mais necessitados. Lacerda Pais é o provedor que dirige desde 2007 a instituição. Foi aos 15 anos que começou a estabelecer maior contacto com a missão de ajudar os outros, quando começou a colaborar com a Paróquia de Vera Cruz. Antes de receber o convite para Provedor da Misericórdia, foi dirigente do secretariado distrital das instituições de solidariedade social, altura em que começou a ter uma maior ligação com o serviço social.

Influenciada pela altura controversa que o país atravessa, a Santa Casa não escapa às dificuldades económicas que se fazem sentir. Se nada for feito, a valência com que a Santa Casa presta apoio às vítimas de violência doméstica em Aveiro pode acabar. No entanto, os projectos para a criação de novas valências que permitam abranger um maior número de pessoas são uma constante na mente do provedor. Antevê-se já a criação de uma unidade de cuidados continuados e ainda de um centro de dia e de acolhimento temporário para idosos com doenças mentais.



A Santa Casa da Misericórdia de Aveiro apresenta um peso histórico muito relevante, já lá vão mais de cinco séculos…

Ao longo dos tempos, na cidade, a Santa Casa da Misericórdia foi uma instituição muito considerada, talvez pelo encaminhamento que teve logo no início da sua actividade na assistência aos mais desamparados. Até ao 25 de Abril de 1974, praticamente tudo o que era actividade hospitalar em Aveiro passou por esta Santa Casa. Todo o apoio hospitalar era prestado aqui, até mesmo o apoio aos militares. A Santa casa vivia para o seu hospital e toda a sua actividade era desenvolvida em volta dele.

Como se encontra a situação actualmente?

Ao longo do tempo fomos incorporando um número de instituições que foram sendo criadas, nomeadamente o apoio a idosos e o apoio às crianças. Tivemos sempre a assistência religiosa na nossa igreja e fomos seguindo as actividades culturais e sobretudo a conservação do nosso espólio museológico, que é de grande valor. Neste momento possuímos um museu virtual, na Internet, com tudo devidamente catalogado. No entanto, actualmente a situação económica e financeira da Misericórdia não está boa, porque a maior parte das valências que temos estão com prejuízos operacionais elevados.


Prejuízos na ordem de…

Um prejuízo operacional anual de cerca de 500 mil euros. Efectivamente a Santa Casa não tem mais possibilidade de continuar com este prejuízo.


E o que é que vai acontecer?

Vamos fazer um comunicado aos irmãos e à própria comunidade alertando para o facto. Desde 2002 que nos foi cortado um apoio que tínhamos da Câmara Municipal de Aveiro que era de cinco mil euros mensais.

O que é que pretende referir no comunicado?

Pretendo denunciar a situação. Desde 2002 para cá que temos vendido património para suprir as dificuldades financeiras, mas efectivamente não dá para vender mais património. Ainda este mês vamos realizar um leilão para vender um apartamento que nos foi legado.


Uma grande parte do património já foi vendida para superar estas dificuldades?

Não, o que foi sendo vendido foi aquele património que não tinha nenhuma aptidão para a Misericórdia, como apartamentos, escritórios e o terreno da Barra que foi vendido para adquirir este edifício onde estamos.


Estas dificuldades têm-se reflectido, de alguma forma, nos serviços prestados pela Misericórdia?

Não, de maneira nenhuma. Eu já estou há vinte e tal anos ligado à solidariedade e posso dizer que os serviços prestados pelo pessoal que temos são excepcionais. As dificuldades vão fazer com que nós tenhamos que proceder a mais alienações, apelar à Câmara que nos dê o tal subsídio que nos tem faltado e à segurança social para que nos permita ter mais meios.



Apoio às vítimas de violência doméstica pode acabar

Ponderam fechar algumas valências?

Nós estamos conscientes do prejuízo que isso daria à nossa comunidade, mas efectivamente na valência da violência doméstica, se não houver uma negociação com a segurança social para que nos seja concedido um aumento das comparticipações, teremos que estudar bem o assunto e há o risco de a termos que fechar.


Quais as principais razões que fazem com que a valência da violência doméstica se encontre em maior risco de fechar?

Esta valência não é a que exige mais custos, mas é a que tem menos comparticipações. Só recebemos verbas da Segurança Social e esse valor nem chega para pagar ao pessoal. Por isso estamos em negociações para tentar manter activa essa secção. Eu tenho consciência da importância que esta valência tem para a comunidade.


Quantas pessoas são atendidas por mês neste âmbito?

No ano passado tivemos uma ocupação média sempre superior a 15 pessoas, chegámos a ter 18 por mês. Também damos apoio e acolhemos os filhos destas mulheres que chegam até nós. Integramos 11 crianças na valência de creche e pré-escolar, quatro frequentam o primeiro ciclo e cinco o segundo ciclo.


Houve algum aumento do número de pedidos de ajuda?

Nós não podemos receber mais ninguém porque temos o equipamento lotado.


Quais são os custos principais que esta valência exige?

Quem tem que transportar estas crianças para as escolas somos nós. E prestamos assistência jurídica às mães nos processos litigiosos e na execução das queixas. E outra coisa que não é nada barata é conseguir manter aqui vigilância 24 horas por dia através de uma empresa de segurança. Só para a segurança são 6700 euros por mês, fora as outras despesas diárias.


Há mais alguma valência que esteja em vias de encerrar?

Não. As outras encontram-se numa situação melhor. No sector da infância continuamos a dar o mesmo serviço que sempre demos. Sei da vontade do Governo em prosseguir com a construção de equipamentos para o pré-escolar mas não tenho tido grande experiência em trabalhos desenvolvidos com o Ministério da Educação, por isso não sei em que é que isto vai dar. Esperamos que os planos escolares da Câmara Municipal, que prevêem também a construção de alguns equipamentos escolares, não ultrapassem os prazos estabelecidos.



"Com mais ou menos dinheiro o espírito solidário está nas pessoas"

Que outros serviços costumam prestar à comunidade?

Neste momento temos a funcionar o rendimento de inserção social, damos assistência no complemento solidário para idosos e acompanhamos as famílias em dificuldades através do apoio domiciliário com visitas diárias dos técnicos que lhes proporcionam a alimentação e a higiene.


Como é que está a situação social em Aveiro?

Não tenho dúvida nenhuma que houve um agravamento da situação. Em alguns casos há uma tentativa das pessoas para diminuir os custos. Surgem os novos pobres mas eu desde miúdo que os vejo como os mesmos pobres. A vida das famílias tem altos e baixos e quando, de um momento para o outro, a situação social piora, por razões de saúde ou agora do desemprego, as pessoas ressentem-se. E há também muita pobreza envergonhada. Mas temos pelo concelho muitas viaturas e muitos técnicos para os ajudar.


Tem aumentado o número de casos dramáticos?

Em termos percentuais é difícil chegar a uma conclusão porque há casos e casos. Há alguns pontuais que logo a seguir melhoram, mas o que nós procuramos fazer é o encaminhamento. Neste momento procuramos dar mais o isco para as pessoas irem à pesca do que dar o próprio peixe. Talvez também porque os nossos técnicos já estavam a prever esta alteração, não verificamos um grande aumento.


Sente que de alguma forma, se não fossem as instituições de solidariedade social, as situações mais dramáticas poderiam resultar numa revolta social?

Não tenho nenhuma dúvida que isso iria acontecer. Nós seríamos todos muito mais pobres se efectivamente não existisse este trabalho de voluntários. Eu não estou a ver o Estado a fazer este trabalho sem estes voluntários.


Como é que está a solidariedade, neste momento, em Aveiro?

A solidariedade já esteve melhor. Nós vivemos também de donativos e as empresas não se encontram numa boa situação. Aquelas receitas que devíamos esperar de empresas e associações também estão a diminuir e tem que ser tudo repensado.


E este problema explica-se com a crise ou a crise é já uma desculpa para todos os problemas?

As actividades económicas têm altos e baixos e eu prefiro dizer que as empresas neste momento estão em maré baixa, mas ela também enche e há sectores em que isto é assim e nós temos que jogar com aquilo que temos. Com mais ou menos dinheiro o espírito solidário está nas pessoas e estou convencido que vamos levar isto avante. Ao longo da história a própria Casa da Misericórdia esteve quase na bancarrota, depois subia, voltava a descer e já andou assim. Dependemos de ciclos, mas temos sobrevivido.



Novos projectos em vista

Seria possível, em Aveiro, a Santa Casa da Misericórdia voltar a apoiar ao nível hospitalar as pessoas, podendo levar à diminuição das listas de espera dos hospitais?

A actividade hospitalar que as misericórdias tiveram tornou-se nula, mas neste momento está viva de novo através das unidades de cuidados continuados e paliativos que pretendemos construir. Vamos apresentar uma candidatura para este projecto à Câmara com o objectivo de construir este edifício no complexo social da Moita.


Para quantas pessoas será essa unidade?

Para cerca de 40 utentes.


Que outros projectos têm em vista concretizar?

Temos também prevista a criação de um centro de dia e de acolhimento temporário para utentes idosos com doenças mentais. Neste momento estamos a formar o núcleo de Aveiro em colaboração com a Alzheimer Portugal. A classe etária para que mais trabalhamos situa-se acima dos 80 anos. Temos neste momento muita gente em lista de espera. Prevemos também construir em Sarrazola um centro de dia e uma valência para a juventude. Neste tipo de instituições de solidariedade social nós procuramos não ser concorrentes uns dos outros. O dinheiro é escasso e não vale a pena estar a utilizá-lo num local em que já existe um centro igual ao lado. Costumamos ter sempre esse cuidado.


Em que aspectos a adesão ao mundo virtual veio favorecer o trabalho desenvolvido pela Santa Casa?

Veio facilitar a divulgação cultural e a catalogação do nosso património. E este património é muito procurado por historiadores, por documentalistas e por outras pessoas que têm gosto por épocas antigas. Infelizmente, em Aveiro, alguma documentação que existia respeitante à própria história da cidade desapareceu e aquilo que ainda resta são as actas das mesas administrativas da Misericórdia e os documentos que temos aqui. Mas sobretudo, o site é muito consultado.

ed. 890, 17 de Abril de 2009

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