quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Santa Casa da Misericórdia de Coimbra

Misericórdia condenada a indemnizar moradores
Valor total da indemnização chega aos 138 mil euros, a distribuir pelos desalojados na sequência de derrocada

O Tribunal de Coimbra considerou que a queda de três edifícios na Rua Corpo de Deus, a 22 de Dezembro de 2000, teve como causa a queda do prédio degradado da Santa Casa da Misericórdia na mesma rua e condenou a instituição a pagar indemnizações aos desalojados na sequência do desabamento. A sentença foi ontem explicada aos antigos moradores pelo advogado que, pago pela Junta de Freguesia de S. Bartolomeu, os tem representado em tribunal. Carlos Abílio Gonçalves e o autarca Carlos Clemente congratularam-se com a vitória numa batalha judicial que começou em meados de 2003 e deram a conhecer a cada morador o valor da indemnização fixada para si. No total, o montante ascende aos 138 mil euros, recebendo cada um dos 10 agregados entre 10 e 30 mil euros. «Isto se as indemnizações forem pagas agora», sublinhou o causídico, alertando que o montante cresce todos os meses, com base nas rendas que os moradores se vêem actualmente obrigados a pagar.
De acordo com a sentença, «não há nexo de causalidade, relevante em termos jurídicos, entre o estado de degradação/ /conservação» dos outros três edifícios e a sua derrocada, «pelo que a responsabilidade recai apenas sobre a Misericórdia». Os outros três senhorios – das casas onde, aliás, residiam as pessoas – foram, assim, absolvidos.
A Misericórdia foi considerada responsável por três tipos de danos: danos patrimoniais (que decorreram da perda de recheio da casa); danos financeiros, calculados com base na diferença da renda que pagavam e a que hoje pagam em outras casas; danos morais, relacionados com a contingência de, na sua maioria idosos, se verem sem residência e sem os seus haveres, explicou Carlos Abílio Gonçalves.
Algumas das pessoas da lista de 10 autores da acção já faleceram e serão indemnizados os seus herdeiros, já que «as pessoas teriam sempre direito ao dinheiro pelos danos», patrimoniais, morais e das rendas, até à data em que faleceram.

Execuções avançam
A Misericórdia pode agora recorrer da sentença do Tribunal de 1.ª Instância, primeiro para o Tribunal da Relação e depois para o Supremo Tribunal de Justiça. Assim o fará, segundo os seus responsáveis (ver caixa). O advogado dos moradores acredita, no entanto, que as futuras decisões não serão contrárias à já tomada. Depois, tendo em conta a idade avançada das pessoas e as dificuldades económicas da maioria, Carlos Abílio Gonçalves garante já que «como representante, aconselhará a avançar com o pedido de execução, através da penhora de bens à Santa Casa». Isto, salvaguardou, se a instituição não pagar as indemnizações voluntariamente.
Mais importante do que o pagamento destes valores é, segundo o causídico, o exemplo que fica de que «o barato sai caro». Com efeito, reparou, «sabemos que os centros históricos das nossas cidades estão degradados muito por culpa do “relaxamento” dos proprietários na sua conservação».

Não “deixar cair”
Carlos Clemente disse que a Junta de S. Bartolomeu assumiu a causa dos moradores por estes serem, na sua maioria, idosos e viverem de pensões reduzidas, entendendo que «deveriam, no mínimo, ser ressarcidos dos prejuízos pessoais». «Muitos tiveram de ir para casa dos filhos fora de Coimbra, outros estão a pagar rendas muito mais elevadas e os senhorios nunca tiveram uma atitude muito correcta», declarou.
Quanto ao patrocínio da causa em tribunal, «seria hoje assumido se situação idêntica se verificasse e mais pessoas ficassem desgraçadas devido ao desleixo dos senhorios». A sentença, diz, «vem-nos dar razão e mostrar aos proprietários que a solução não pode ser deixar cair os imóveis».

“Acumular
culpas na
Misericórdia
não é justo”

A Santa Casa da Misericórdia de Coimbra vai recorrer da decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Contactado pelo Diário de Coimbra, o provedor, Aníbal Pinto de Castro, considerou que «a sentença está longe de ser justa» para a instituição. «Não devemos pôr em causa as decisões dos tribunais, mas penso que não o foi [justa] talvez por má instrução do processo. Acumularam-se culpas na Misericórdia quando não era a única culpada», declarou, apontando o dedo a «outros proprietários e moradores». Entendeu-se que «a Misericórdia como entidade colectiva deve aguentar todas estas coisas, mas isso está longe de ser justo, por isso vamos recorrer».
De acordo com Aníbal Pinto de Castro, a Misericórdia não pretende pagar as indemnizações «enquanto não houver uma sentença definitiva em função do recurso interposto». O responsável considera, aliás, que «houve um manifesto exagero» no cálculo destes valores e lembra que «os danos morais são algo muito subjectivo».
«Vamos tomar as atitudes que o sistema judicial permite para tentar que a situação seja revista e, dessa revisão, resulte uma distribuição mais equânime das responsabilidades e dos encargos», disse.

Andrea Trindade

Diário de Coimbra

Sem comentários: