sábado, 29 de novembro de 2008

Misericórdias de Miranda do Corvo e de Semide

Imóvel da Misericórdia de Miranda registado por instituição de Semide
Um imóvel na Costa da Caparica doado à Misericórdia de Miranda do Corvo, há cerca de 40 anos, foi registado por uma instituição congénere de Semide, em 2006, através de uma escritura de usucapião, a que o Diário de Coimbra teve acesso, com base num documento emitido pelas Finanças daquela localidade da margem esquerda do Tejo.
O assunto é polémico e já motivou a reacção de antigos irmãos da Misericórdia de Miranda do Corvo e outros cidadãos que, segundo disseram ao Diário de Coimbra, se preparam para apresentar queixa no Ministério Público e na Procuradoria Geral da República contra a Misericórdia de Semide por apropriação ilegítima de bens imóveis.
Confrontado com esta situação, Luciano Martins, provedor da Misericórdia de Semide, afirmou que «em todas as voltas que deu no processo nunca lhe lhes foi falado da Misericórdia de Miranda», que julgava nunca ter existido e disponibilizou-se para «esclarecer a situação como pessoa de bem».
Luciano Martins explicou que, em 2003, quando ainda era vice-provedor, a instituição recebeu uma carta das Finanças da Costa da Caparica a exigir o pagamento da contribuição de um prédio que estava averbado naquele serviço «em nome da Misericórdia de Semide». «Fomos às Finanças da Costa da Caparica, verificámos que o prédio estava realmente em nome da Misericórdia de Semide e pagámos a contribuição. Depois falámos a um advogado para tratar da legalização e efectuámos uma escritura de usucapião, em nome da Misericórdia, pois a nossa intenção era vender», referiu.
Luciano Martins recordou ainda que «quando o antigo provedor João Carvalho passou a pasta falou vagamente que haveria umas heranças do Brasil para o lado de Lisboa e que passado um tempo apareceu uma carta a informar da situação, o que batia certo com o que João Carvalho dizia».
O imóvel em causa é um edifício de rés-do-chão, na Costa da Caparica, doado em 1970 à Misericórdia de Miranda do Corvo por Manuel Lourenço, natural de Barbéns e falecido em S. Paulo Brasil, quando era provedor o seu sobrinho Fausto Branco (também já falecido), habitado por dois inquilinos. «Falámos ainda com um dos arrendatários que nunca se referiu à Misericórdia de Miranda», frisou Luciano Martins, que garante nunca ter tido conhecimento da existência de uma instituição similar em Miranda do Corvo. «Somos pessoas de bem, responsáveis e estamos prontos para esclarecer a situação. Não quero que a Santa Casa seja acusada de se apropriar do que é dos outros», acrescentou.
O provedor da Misericórdia de Semide considera que se limitou a «seguir o processo que vinha de trás» e interroga-se: «Que provedor seria eu, com um imóvel em nome da Santa Casa e não o legalizava, zelando pelos interesses da instituição».
Situado na Quinta de Santo António, na Costa da Caparica, o imóvel foi registado em nome da Misericórdia de Semide no dia 25 de Julho de 2006, através de uma escritura de justificação, no Cartório Notarial de Poiares, cuja certidão foi publicada pelo jornal Extra (Litoral oeste-Almada).

Património seria
para Lar da Pereira
Criada em 1957, através de despacho do secretário de Estado da Assistência Social, a Misericórdia de Miranda foi a instituição de solidariedade social responsável pela construção do Centro de Saúde, estando desactivada há mais de 20 anos à espera que alguém dê seguimento ao processo de extinção que já foi proposto em 1982.
Concluídas as obras do Centro de Saúde, a principal obra da instituição, Fausto Branco escreveu um artigo no jornal “Mirante”, em Novembro de 1978, em que descrevia a acção da Santa Casa e se mostrava apreensivo com o seu futuro. No texto, o antigo responsável pelo “Património dos Pobres”, obra da Igreja, informava os mirandenses que o património da instituição à data era constituído por 576.150 escudos, que revertidos para a actual moeda dará cerca de 2.880 euros, e «uma casa na Costa da Caparica doada à misericórdia por Manuel Lourenço, natural de Barbéns, filho de Vicente Lourenço e Maria de Jesus, falecido em São Paulo, Brasil, em 1970».
Como a Misericórdia era de inspiração cristã, defendeu que os seus bens deveriam ser salvaguardados numa obra também da igreja, sugerindo a sua extinção e a passagem do seu património para o Lar Dr. Clemente de Carvalho que prosseguia também fins sociais.
Mais recentemente, em Setembro de 2005, também num artigo publicado no jornal “Mirante”, Júlio Parreira Lopes, tesoureiro da instituição, explicou que o dinheiro existente se encontra depositado em contas da Caixa Geral de Depósitos de Coimbra e de Miranda do Corvo e do Banco Totta. No mesmo texto, Augusto dos Santos Paulo, que ainda integra os corpos sociais, defendeu a extinção formal da Misericórdia e a passagem do seu património para o Lar Dr. Clemente de Carvalho por ser «a obra que mais se aproxima do compromisso da daquela instituição».
De acordo com o antigo director do jornal “Mirante”, «esta será também uma forma de homenagear o falecido Fausto Branco, sobrinho do doador do imóvel, pois era esse o seu desejo».
Desde a década de 70 que o edifício está ocupado com dois inquilinos, embora um deles já não pague renda desde 1999 por motivos que se desconhecem. No entanto, uma das duas inquilinas mantém em dia o pagamento mensal da renda à Misericórdia de Miranda, tendo efectuado o último em Outubro deste ano através de vale postal que é depositado numa das contas da instituição.

Diário de Coimbra

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